Um desvairado consciente
Um policial noir da zona leste
Num dia de sol poente
Tarde luminosa
De crepúsculo esfaimado
Juntei numa tralha
Meus estorvos tecnológicos
Joguei no terreno baldio
Meti o pé em cima, ergui o braço
E gritei para que me ouvissem:
- Tecnologia de bosta
- Do marketing agressivo
- Das crueldades de mercado
- Das transnacionais escravocratas
- Das hipocrisias constituídas
Gritei aos meus vizinhos
De quarenta anos vividos
Pobres como eu
Periféricos como eu
Cultos e incultos como eu
Pedi ao meu Deus
Que não me considerasse blasfemo
Pedi aos meus amigos
Que me abandonassem um pouco
Pedi aos meus filhos
Que me compreendessem mais
Pedi a minha mulher que se calasse um minuto
E depositei em meus ombros
Responsabilidades vicinais
Não quero saber da áfrica
Não quero saber da Ásia
Não me interessam tsunamis
E pobres afogados na fome
Pouco me importa a globalização
Estou cansado, muito cansado
E tenho vontade de chorar
Mas sou fodido macho de bordoadas
De não sentir dor qualquer
Interessa-me apenas o que sou
Estou farto, mas não gasto
Não sinto gastura qualquer que me encrua
Sinto-me livre como nunca
O que sinto é uma ausência
De terras e árvores e águas com peixes
E pássaros que cantam
E cigarras vespertinas e vagalumes
E grilos incautos e grelos noturnos perfumantes
E ruas sem asfalto e sem calçadas
E músicas e tintas do tempo
Que se consideravam arte
Alimentos de almas refinadas
Sinto um vazio de algo
Que não sei explicar
Não sinto medo, sinto ausência
Sentir ausência é pior
Do que sentir qualquer outra coisa.
Devo continuar estes versos?
Não terminaria nunca...
Pois o que sinto não tem começo
Tampouco fim.
Há um sentir apenas
Coisa errante - e pronto.
j. a. pelegrina, 10/11/2009
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