quarta-feira, 22 de junho de 2011

Ofensa (Arco Descendente)

Ofendi um companheiro-amigo-irmão
com palavras tolas que não cabiam
no meu nem no coração dele.

Ainda não aprendi a lidar
com palavras-fuzis e idéias absurdas
que nos ensinam a viver.

Ainda sinto raiva besta que deveria
ser raiva inteligente contra
o situacionismo hipócrita que nos consome.

Queria sumir no mundo ou dele
mas não podia porque há filhos
e mulher que amo sem hipóteses.

Queria conversar com meu pai
que me ensinou a calma e felicidade
de viver que não aprendi a calma.

Mas não havia sonho que o fizesse raiar
para me proteger nesse momento
de não saber o que fazer. Ah! Meu pai!

Mergulhei num mundo de pedir
ajuda e eu não sabia quem me daria
ajuda de aprender a viver.

Estava num desespero danado
com vontade de morrer para sempre
mas a morte nada elimina.

Olhei pros meus livros e seus títulos
e senti vontade ígnea de ir a cabo
com teorias de causar cãibra aos neurônios.

Olhei para o crucifixo na parede
e para a bíblia na cabeceira perto
do rádio-relógio de alvor cinzento.

Olhei para todos os símbolos e conclui
que a vida é aperto de mãos e abraços
e um sorriso sem diagramas ou cálculos.

Mais do que ver do olhar que mirei
senti na retina uma brisa e depois na
pele e no coração... E finalmente adormeci.


j. a. pelegrina, 01/05/2011

Páginas Sujas (Arco Descendente)

Manchei páginas
com tinta impudica
como os imperturbáveis
glóbulos impudicos
a zanzar-me pelas veias.

Lambuzei com gosto
com resto do desgosto
com a perfídia da gramática
e a suspeita
das elipses abscônditas.

Não passarei a limpo
algaravias e tropeços
porque alguém leu
e achou que alguma árvore
desperdiçara-se em meus delírios.

Hoje extrapolo
por bits insossos
quando não me basta
dourar pílulas
ou arriscar haicais
incompreensíveis.

Queria escrever
nas folhas das árvores
com sabor, música e olor
para o arrebatamento
de passarinhos e lagartas.

Bichos não falam
comeriam as folhas
sem a quimioterapia
malfazeja
da escolha aleatória...
e toda a cadeia alimentar
fartar-se-ia
de poesia metabolizada.


j. a. pelegrina, 23/02/2011

Retalhos (Arco Descendente)

À Dercilene Lílian Moreira
Nossos mantos semânticos
são colchas de retalhos
retalhos de palavras
restos de outros restos
duma fábrica de versos.

A inspiração tem santo protetor
mas de braços fatigados
toneladas de palavras
não têm peles translúcidas
como no tempo de Carlos.

Essa poesia quase bigorna
sem forno nuclear
sem núcleo de fissão
sem fogo-fátuo
sem o toque feérico de punção.

Há dedos e mentes e sentimentos
tudo enrolado num manto
manto ou mortalha
numa hibernação
de inverno recortado.


j. a. pelegrina, 05/05/1997

Santos e Tantos (Arco Descendente)

À Dercilene Lilian Moreira
Meu santo
tem sons esquisitos
que gritam se calo.
Teu santo
o silêncio maldito
hipnótico embalo.
O meu: hiperativo celeste
sintagma-lâmina.
O teu: curativo que fere
e cura se sangra.

O que vamos fazer com os nomes
e a dúvida insana
se devemos tentar dar à luz
nosso signo comum?

Do latim de antanho ao byte
se traduz o amor
e, no entanto, o sentido
são criptogramas de dor.

Nenhuma esperança
esperanto
espraiando-se viva.
Sentença engasgada
ou tentada em ser traduzida.

O que vamos fazer com a dúvida
e os nomes insanos
se não estamos na esfera
dos deuses que criam fulanos?

Nossos santos semânticos
ensopam seus lenços florais.
Pranteiam o léxico enxuto
de lexemas radicais.
E o que temos são gestos banais
febris, seculares.

O silêncio bem mais
do que anacolutos de olhares.


j. a. pelegrina, 16/04/1997

Euforia (Arco Ascendente)

Minhas mãos e neurônios
em euforia intensa
atiram-me ao teclado.

A palavra escrita
é deusa severa
que amamos
de coração e dedos.

Meu corpo, meu espírito
inquietam-se em busca
da palavra contundente
do sentido encantatório
que me leve a qualquer
estado de não-humano.

Cansei do espelho
das tramas sutis
dos cálculos friachos
da minha idiossincrasia
tão cidadã sem peias
nota dez de mocinho.

Não acho farpas que rasguem
ou qualquer desvão
que me desumanize.

Entre bytes e mitos
na sombra oculta
na semiose oclusa
singro palavras
e longe do cais
extenuo os sentidos.



j. a. pelegrina, 08/05/2004

Terrasonho (Arco Descendente)

(A Haroldo de Campos e Joãosinho 30)

Desábagua em nosso couro
seco são de terrasonho
aguardoendo a vossatírica
dum deusevero medonho
a gotícula enganadorascível
espremendolor seu barro
do qual surgimorto medramos

Couro-caro como de vison
na linguagermaniaca dum boçal
poligonorréico se curtindo
a PhD da poda de nossos filhos
como bem vate foi Joãosinho

E continuantro embora mude
de quatro em quatro ânus
a moscatéia de lobostas burgos
ou graxeirosos quantinssípidos
nos lamburrando
com sermórbitas inócuas.


j. a. pelegrina, 27/10/1998

Suicídio Moderno (Arco Descendente)

O internauta
acessa incauto
à internoite
adentro sem pausa.

No templo hard…ué?
o olho arde?
balança o pé?
de lá não sai?

Na internet, diz:
caiu na rede é peixe!
- E o símbolo peixe
vira senha moderna.

A internet
traça caminhos
pra diretórios e sanatórios.

O internauta
com internitose
navega sem memória
transarquiva-se
e se deleta
sem becape.


j. a. pelegrina, 29/02/1998