sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Tutti Frutti (Arco Ascendente)

Há quem goste de goiabas
- Goiaba!

Há quem goste de bananas
- Banana!

Há quem goste de frutas
- Frutinha!

Há quem não goste...
E há quem goste de fruta-pão
- Pão!?

Há quem goste de fruta de plástico
Que de nada serve...

Há quem goste de jacas e abacaxis
Infrutescências
Bagos de Baco

E há clitóris maduros
De perfume inefável
- Minha fruta predileta!

Sem o óleo do abacate
Sem o ácido do limão
Sem o açúcar da atemóia
Sem os pelos do kiwi
Sem a revolta sumarenta da melancia

Fruta equilibrada
Ora tenra, ora firme
Perfumada de aroma incólume
Que não se come
Que não se chupa
Como se fosse qualquer fruta

Fruta enorme
Nanofruta
Do conde?
Do diabo?
Da ema?

De Deus!

j. a. pelegrina, 23/03/2007

Certos Tempos (Arco Descendente)

Eram os templos
das víboras descalças
das tarântulas em fogo
do triângulo da morte

Eram os templos
da carne posta à sorte
pela peste galopante
dalgum ser que galopava

Eram os templos
onde ali não se amava
só de gozo se morria
o guerreiro plutocrata

Eram os templos
de abóbadas purpúreas
e calçadas reluzentes
aquecendo genitálias

Eram os templos
das palavras que enganavam:
multimídia, massa, merda
lerda, lassa - ludibriavam

Eram os templos
dos pacotes - não das árvores
dos pinotes dos algozes
socorrendo condenadas

Eram os templos
dos juizes maltogados
casamentos malogrados
enlouquecendo velhos padres

Eram os templos
descaindo no espaço-
-tempo curvo do umbigo
e dos lábios que grelavam

Eram os templos
em falos formatados
que ruíam em certo tempo...
carnes, cornos, cus e ralos

j. a. pelegrina, 24/03/99

Medonho – (Arco Ascendente)

Há algo de medonho
deixar meus truques na gaveta.

Há dias que não sei lidar com meus ardis.
Até bebo cidreira no chá diário
e abro mão da anfetamina.

Precisava anunciar-me,
e há o medo - não do deslize -
mas em ser-me demais,
além de mim,
o fantasma não compreendido.

Queria plantar uma semente qualquer
e não há terra que suporte a fenda,
o encharque, o revirar do húmus
e o sol escaldante, contingente, saboroso
a calhar no canteiro do quintal esquecido.

Há algo de medonho,
e não quero desfalecer perante meu Pai.
Não quero pensar que o céu é Dele
e meu o inferno que Ele deixou e devora
com seus misteriosos permissivos.

Há algo de medonho
deixar meus truques às traças.
Vou virar, violento, a vã gaveta.
E o que cair, caiu.

E um santo qualquer que me beije a boca
e me guarde em seu coração
virgem de conflitos humanos;
para que eu me humanize
mas não me angelifique perante
seres normais.

j. a. pelegrina, 24/07/2008

Desabençoado (Arco Ascendente)

(É tudo o que dedico a mim)
Eu que me desabençoei no peji
Fiz a cabeça e corri pra encruzilhada
Tornei-me rei perante a comunidade
Curti e esqueci a vida malfadada

Agora não sei o que fazer comigo
Eu sofro perdido numa floresta negra
Iaô não quer brincar com meu umbigo
Ogum me disse que perverti a regra

Quando criança eu era mais que anjo
Adolescente, ardi de ardente fogo estranho
Não sei se derreto a bigorna ou o martelo

Um dia serei dos tempos de antanho
Talvez mais sábio, com certeza menos belo
Dessa beleza de vida que esbanjo

j. a. pelegrina - 12/06/2007

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Pretitude (r(á)p-ido) (Arco Descendente)




e sendo preto
acreditando ter talento
na escola
no momento em que a bola
me tocasse os pés

e sendo preto
nordestino
americano
na escola
no momento em que tocasse
um instrumento

a alforria
não seria revelia
nem secreto
nem seria ilusão
de qualquer preto

a euforia
desse reconhecimento
pelo branco barulhento
que consome a alma do preto

no último tempo
quando dá um toque frumento
faz o gol
é um alento
o preto é rei e não é preto?

no último tempo
é bem sabido que o preto
ginga bem com seu talento
natural de capoeira?

e sendo preto
acreditando no talento
na escola
instrumento musical ou futebol

é tudo preto
divertir
coisa de preto
preto é bom leitmotiv
para intelectual?

neste país onde o preto
forma um degradê bonito
começando pelo jambo
que o índio nos doou

o branco sendo furta-cor
é outro tom
não diz respeito
fiquem
com seus pigmentos
seus gametas
seus proventos
que a história
debitou do preto-preto

e na global
aldeia branca
os zigotos loucos pretos
dançam samba
e se entristecem
ouvindo blues
tocando jazz.


j. a. pelegrina, 02.07.94

sábado, 20 de setembro de 2008

Severianus (Arco Descendente)

severianus
que foi homem mundano
se tornou religioso
pelos pés de um pastor

severianus
dá o dízimo nos panos
por debaixo sem engano
porque deus lhe dá amor

severianus
só tomou esse caminho
porta aberta foi entrando
nunca mais se desgostou

severianus
homem bom de cruz e cova
como todo severino
vai compondo sua obra

severianus
tem pastor e tem patrão
que mais quer severianus
se tem circo e se tem pão?

severianus
vai morrer cheio de si
de canseira ou de velhice
e vai ter muita oração

severianus
já quitou o INSS
no altar pagou com prece
mas no céu eu não sei não!

severianus
formiguinha e pelicano
severino todo ano
serve a quem, severianus?


j. a. pelegrina, 02.10.1998

Figurantes (Arco Descendente)


Cortadores de Caña - Bryan Orquiza

O trabalhador é tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais cresce sua produção em potência e em volume. O trabalhador converte-se numa mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadorias produz. A desvalorização do mundo humano cresce na razão direta da valorização do mundo das coisas. O trabalho não apenas produz mercadorias, produz também a si mesmo e ao operário como mercadoria, e justamente na proporção em que produz mercadorias em geral.

Karl Marx

Gravata alfinetada, bom sapato
Perfume lá de França malinvejada
O carro, o celular, no almoço um prato
Sobre a toalha de linha alvejada

Esse um trabalhador; o outro um trapo
Com holerite, sudorese, impigem
Protagonista de RH, um tropo
Mal colocado que as fábricas fingem

Cuidar com CIPA, SIPAT, VT
DSR, CAT, CLT
E um salário pro televisor

Coisa que todo operário tem!
Com fantasmas globais, pois que também
Ninguém pode viver só de amor.

j. a. pelegrina, 17/03/97

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Blogosfera (Arco Ascendente)

T. A. Z - Temporary Autonomous Zone

Temporary Autonomous Zone - Zona Autônoma Temporária
Na blogosfera
curvilínea
as feras lutam
para impor
em linha reta
as incertezas
filigranadas
em esferas
de coalhos
libertários

Que se perdem
que se ganham
nas evolutas
da Web 2.0
atazanando
autoridades
com a T.A.Z.
por trás dos bits
e zás-trás
de urls semoventes

Cibernautas
surfam
cristas digitais
e se abscondem
não por medo
mas por onde
possam resguardar
o copyleft
de outras transas
nada geniais

Não pense disto
um imbróglio
reverberante
de confundi-lo
in-blog-you!

Você já tem
um repertório
ciberculto
místico-socializado
em self media?

Não faremos da blogosfera
réstia para espantar vampiro!

Mas filigranas de idéias
Que nos interessem – eu prefiro!

j. a. pelegrina, 19/09/2008

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Beija-Flor Abduzido – (Arco Descendente)

um beija-flor
o outro não beija nada
nem a fêmea imaculada
nem a flor que solitária
murcha com a falta do beijo

que beija-flor que nada
açúcar ou mel e dor
para enfeite de parede

para alegrar a meninada
foi engaiolado com amor
com amor! sim senhor!

só beija flor de plástico
virou pássaro monástico
severino-beija-flor

numa gaiola de ouro
voa menos do que besouro
e diverte o garimpeiro

cadê o beija-flor?
alguém surpreendido...
será que serviu ao gato?

o vizinho estupefato
um tanto emputecido
gritou em vão:
morreu, meu deus...
com o amargo do almeirão

j. a. pelegrina, 24/02/97

Matulas do Aricanduva (Arco Descendente)

Andam em bando
motorizados
em reles máquinas.

Se acham; mas não são
mais do que escória
que entopem o Aricanduva.

Aricanduva...
Radial...
Sampa às pampas

Motoristas, uni-vos!
Lá vem a besta
cheia de multas, mas incólume!

Retrovisores, encolhei-vos!
Lá vem ferro
sola e luva truculentos.

Dedos em riste veementes
Indigitam
nosso espaço inexistente

Motoboy
Mad Max
Punk do Agreste

Cacos de bosta
nos logradouros
da megalópole

Algum Deus ouvirá
nossa prece
na cloaca do ferro-velho.

j. a . pelegrina, 06/12/2006

Tristes Trísticos (Arco Descendente)

a vida
uma tipóia encardida
prestes a se romper

tentou vender o corpo
acabou em leilão
de massa falida

gasolina ingerida
o fiscal do crematório
rejeitou o corpo

um cão caminha
numa tripata
e se urina de tristeza

o sertanejo garante
desta água
não beberei

roleta russa
feericamente salvo
pela culatra

caixa de papelão
o gari: "no caminhãããão?"
o papelão: "nãããão!"

na gaiola de ouro
um pássaro alegra
o dia do garimpeiro

em casa de tolerância
tolerar em abundância
custa mais caro

o guilhotinando indaga
“beberei do suor
de meu rosto?.“


j. a. pelegrina, 19/03/97

Semiologia (Arco Ascendente)

Por acaso
a diatribe
ao diazepam
faz sentido?

Melhor seria
chutar bigorna
bebericar
querosene?

Fazer ioga
no cartão
três vezes
dá resultado?

Por acaso
a diatribe
a Hahnemann
faz sentido?

Se foder
No divã
de Freud
É libido?

Abdomenstruar-se
Pelo haraquiri
É Coragem?
Ou Vício?

Ter vindo
ao mundo
fito, bicho
brita ou mano?

Afinal
que coisa tal
de signo
insano?

j. a. pelegrina, 06/09/2006

Deus Pensa ... (Arco Ascendente)

Deus pensa
Ninguém sabe
O que ele pensa
Ninguém sabe
Como ele pensa
Ninguém sabe
Porque ele pensa

Não há quem possa
Investigar se ele pensa
[Se houver pecado... Então...]

E deus pensa
Sem heurística
Sem intuição
Sem arriscar

Deus tem um belo algoritmo
Matemática divina
Fractais abundantes
Grandeza absconsa
Pensamento unívoco

Jamais afirmarei:
Deus não quer
Que eu conheça
Seus pensamentos!
Jamais afirmarei...

Quem assim pensar
Estará cometendo pecado
[Alertam os uníssonos...]

Minha loucura é provável
Como a improvável Filosofia
Como fractais harmônicos
Minha loucura
São pensamentos legítimos de deus
E eu quero conhecer minha loucura...

Deus só tem um pensamento
Que nos chega
Em deformação contínua
E se afasta em formação divina

Tudo parece confuso...

E as pessoas rezam
E cantam mantras
E respiram em posições esquisitas
E jejuam e comem hóstias com marmelada
E jogam no fogo-santo o décimo terceiro
Sem fogo de cachaça
Mas com neurônios estorricados
De fogo-fátuo

Deus só tem um pensamento
E é pouco
E é tudo
Esse monolítico
Que o homem pensa que tem de britar

Não carece
Tanta brutalidade
Em volumes incontáveis

Basta uma cadeira de balanço
E Deus se resolve para Nós
Num ir-e-vir Conosco.


j. a. pelegrina, 16/08/2007

Liberdade, liberdade... (Arco Ascendente)

Liberdade protegida
Liberdade posta à sorte
Liberdade obliterada
Amarrado cão num poste

Liberdade marxista
Liberdade de um cristão
Liberdade é safanão
Com a mão do massagista

Liberdade é coisa séria
Liberdade é miséria
Liberdade é insanidade

Liberdade rebelada
Liberdade quando ladra
Liberdade de um ladrão

Liberdade tão querida
Para rir da liberdade
Esquecida num porão

Liberdade, liberdade...


j. a. pelegrina, 01/07/2001

foro íntimo (Arco Ascendente)

tudo que me inspira poemerge
talvez transpire má conduta
perante a academia
sou livre de tendências
e sei que a exegese de bardo nenhum
provaria meus sais
com ligeiro sabor de poesia

melariam sim
minha tragédia íntima
com matéria sangüínea
de tipografia nojenta
pois nada de meu sobraria
tanto quanto soçobrara
dos vates de 70

se me inspiro
logo existo...
não para a lingüística
mas para o meu despojo gaio
super-humanístico

não tocarei duas vezes
na mesma tragédia
não agradarei
nem modernos
nem parnasianos

minha filosofia
se não presta
minha forma poética
se for engano
só minha alma
ainda que pelo cano
livremente pode e contesta.

j. a. pelegrina, 08.10.92.