Coloque a vassoura no colo
E pense no que ela significa
No seu colo como vassoura
Pense no seu colo como algo
Que significasse para a vassoura
E o que significa colocar sem
Que haja momento azado
Nas asas de um vôo encalacrado.
Pense na desordem da piaçaba
Perdendo-se na chã dos tempos
Hoje de asfaltos descolados
Da natura benfazeja latinizada
Pense na desordem deificada
Nas clausuras monetárias dos anjos
Dentro de cofres esotéricos
O que significa isto para a vassoura
No seu colo ou varrendo coisas?
Mas ela no seu colo é menos
Objeto tanto e pouco de vassoura
Outros quinhentos e não aqueles
Que se quisessem objeto sem frêmitos
Pega e varre inclusive a exaustão
Além da poeira e seixos e galhos
E galhofas do seu pensamento
E folhas secas de outrora e não essas
Sadias de um verde que não se perpetua
Vassouras marchando em riste
E outras - vindas de roldão
Não para limpar o chão de um sujo incerto
Que não lhes vale a porcaria da liça
Mas um tropel leporídeo carregando
Um ovo polvoroso no dorso negro
Que um dia explodirá no colo de um incauto.
j. a. pelegrina, 06/02/2009
Minha pele amarelou
Sou poeta do sertão
Quando o céu azulejou
Ressecou meu coração
Até o sangue se escoou
Pelas veias do sertão
Minha pele amarelou
Sou poeta do sertão
Minha pele enrugou
Mas o meu sobrolho não
Pois quem já se acostumou
Com a seca do sertão
Faz no pó o seu poema
Com o dedo indicador
Pois que dura toda vida
Como o verdadeiro amor...
No sertão, moço, nem vento
No sertão, moço, nem água
Só tem mágoa e pensamento
Na comida e na comida
Eta nostalgia braba
Eta vida descabida
Desespero e oração
No sertão têm mesmo tom
Sol e dó e sol e dó
Boi berrando não tem mais
Boi morrendo e cafundó
De vez em quando um capataz
Vou é repetir o tom
Sou poeta do sertão
Minha pele amarelou
Como o verdadeiro amor
Valentia e teimosia
Sertanejo tem de sobra
Pra cumprir sua desgraça
E compor a sua obra
Seu destino ninguém traça
Herói do caos
Pele de cobra
j. a. pelegrina, 20/01/95
A borboletinha amarela
voando encontrou a puta
com o menino vitrificado
e roçou-lhe os cílios
De volta num vôo como
quem se esquecera de algo
pousou na fronte do menino
que vertia metáforas
Pousou e tornou-se crisálida
e bebeu todas as metáforas
e fez a mãe esquecer o amado
A crisálida não teve dúvida
convertendo-se em borboleta
saiu voando amarela como sempre
j. a. pelegrina, 12/09/2010
Apareceu-me a Morte
e me disse para não desesperar
- Não desesperar?!
Apareceu-me a Vida
e me disse para não desesperar
- Não desesperar?!
Apareceu-me o Vazio
e julguei ser o Demônio.
O pior da teogonia dos Caídos!
Todos eram Deuses?
Todos eram Deuses!
O Deus-Vazio...
pior que Deus-Morte!
pior que Deus-Vida!
O Deus-Privilégio
manteve-se calado
por algum momento...
Momento do Deus-Silêncio
que ora mantinha a diocese
Finada a Quietude
filha do Deus-Silêncio
descobri-me Deus-Qualquer
Pleno de alegria
jungido por Deus-Júbilo
dispersei os Titãs
para alegrar masmorras
- moradias do Deus-Funesto
Filho do Deus-Liberdade
chorei, gargalhei, apazigüei
o que em mim era turbilhão
e nem era mal cultuar
Fechei os olhos em paz
e não dei bola
para o Deus-Receio.
j. a. pelegrina, 10/09/2010
a borboleta que não sei
de vôo em vôo
na corola se esbalda
e se esquece
como é lume
como é bela
sobretudo a amarela
me arrebata
se enfraquece
com o tempo
desde quando
a crisálida rompera
a borboleta tão bem feita
pelas mãos
de um designer
deus-esmero
quase ateu me desespero
espero outra borboleta
em meu neurônio petalado
à frente de qualquer neuroma
que me traga
alvissareiras
pelo que tenho de viço
quase vício
alça de grifo
minha unívoca voadora
que vexame não me causa
o teu panapaná
para lá e para cá
e eu tão só
j. a. pelegrina - 01/03/2003